Apesar de os totais de casos e mortes por Covid-19 estarem em queda no Brasil, cancelar a celebração do Carnaval é uma medida sensata para evitar possíveis curvas invisíveis de contágio e o surgimento de variantes do coronavírus, segundo especialistas ouvidos pela Folha. Mas há também quem defenda que manter os festejos é possível, desde que seguidos protocolos, de forma rígida, como a exibição de comprovantes de vacinação e o uso de máscaras.
As cidades afirmam temer uma nova onda de Covid-19, dizem não ter recursos financeiros para investir no Carnaval e, em alguns casos, tomaram decisões regionais de suspensão na tentativa de evitar migração de foliões.
Epidemiologista e pesquisador da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana disse que suspender os festejos é a decisão mais acertada, sobretudo nos municípios menores, que têm pouca disponibilidade, ou nada, de leitos clínicos.
“Cada gestor sabe quanto pesa administrar uma epidemia. É mais do que esperado esse tipo de atitude principalmente de cidades de São Paulo. O estado é uma espécie de modelo em algumas estratégias de enfrentamento, em particular a vacinação e a restrição na circulação de pessoas”, disse.
Como a vacinação tem avançado —em São Paulo, 73,8% da população total concluiu o primeiro ciclo—, os contágios podem estar ocorrendo, conforme Orellana, sem que haja notificação, por provocarem sintomas leves ou serem assintomáticos.
“Isso faz com que a pessoa não procure o serviço de saúde, mas ela pode transmitir o vírus, estamos tendo curvas invisíveis de contágio. Até quando vai durar essa proteção ocasionada pela vacinação em massa da população é que nós não sabemos. O grande problema agora é a possibilidade de surgir uma nova mutação nessa epidemia silenciosa que estamos vendo em todos os países.”
Também epidemiologista, a docente do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia Gloria Teixeira disse que, se mantido, o Carnaval será o momento propício para aumentar a transmissão da doença.
“É uma temeridade fazer Carnaval em qualquer lugar. É só olhar o contato físico, respiratório, atrás de um trio elétrico para entender. As pessoas se beijam, se abraçam, aumenta muito o risco de transmissão”, afirmou.
Para ela, principalmente os eventos de cidades maiores, que recebem turistas estrangeiros, são um facilitador para transmissão e possível cruzamento de variantes para o surgimento de uma nova cepa.
“A cobertura vacinal tem crescido, mas não significa que o vacinado está completamente livre. Ele pode estar contaminado, assintomático e transmitir. É um risco enorme que não devemos correr, e não sou eu que penso isso, mas a grande maioria dos colegas acham que não tem cabimento [ter Carnaval].”
Como pouco mais da metade da população mundial está vacinada, o infectologista Evaldo Stanislau de Araújo, assistente-doutor da divisão de moléstias infecciosas e parasitárias do Hospital das Clínicas, disse que há uma possibilidade real de que uma nova variante esteja sendo gerada em algum lugar do mundo.
Já para o epidemiologista Pedro Hallal, professor da escola superior de educação física da Universidade Federal de Pelotas, coordenador do Epicovid-19 e colunista da Folha, o tema não deve ser tratado como “sim ou não”.
“Na verdade não é sim ou não, mas como. Se há uma cidade com casos em nítida queda, praticamente zerado, com 80% ou 90% da população com as duas doses da vacina, não teria nenhum problema fazer Réveillon ou Carnaval, desde que houvesse um investimento sério no como, com exigência de fato de comprovante de vacinação, um aplicativo que monitorasse sintomas e as pessoas tivessem de ativamente mostrar que não tiveram sintomas nos últimos dias.”
Ele afirmou que, como epidemiologista, é difícil criticar a decisão de uma cidade que resolveu se precaver, mas, por outro lado, o excesso de precaução também acaba sendo injustificado.
“Carnaval ou Réveillon não são coisas obrigatórias, mas tem sentido de eles existirem. Em alguns casos tenho visto o pessoal um pouco receoso demais, esse excesso de receio pode ser ruim para a população, porque ela precisa da festa, precisa retomar sua vida normal dentro dos cuidados.”
A avaliação é semelhante à de Renato Grinbaum, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), que diz que a decisão, difícil, não é uma questão de sim ou não.
“Se continuarmos do jeito que estamos hoje, pode manter, mas as pessoas precisam usar máscaras. Aliás, o Carnaval é uma ótima oportunidade para usar máscara. O país tem que voltar a funcionar. A pandemia não acabou, mas o Brasil precisa passar pelo risco.”
Fonte: Folhapress