O Brasil pode ter tido 37 mil mortes a mais por Covid-19 do que foi registrado no primeiro ano da pandemia em razão de falhas na notificação, sugere nova pesquisa. A estimativa representa uma alta de 18% em comparação aos números oficiais.
Segundo indica o estudo, publicado nesta quinta-feira (5) na revista Plos Global Public Health, o país perdeu 243 mil vidas em 2020 por Covid, e não as 206 mil registradas. Para Elisabeth França, professora do programa de pós-graduação de Saúde Pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e autora principal, é a primeira pesquisa divulgada a estimar em nível nacional os falecimentos a partir da apuração de mortes reais com causas relacionadas à Covid.
Problemas na notificação de uma morte podem ocorrer porque um atestado de óbito costuma listar várias causas. No entanto, explica França, dentre essas explicações existe uma causa básica —aquela que desencadeia todos os outros problemas no organismo que teriam levado a pessoa à morte.
O estudo filtrou os falecimentos que não tinham como a causa básica a Covid-19, mas outros motivos que tinham relação com a doença causada pelo Sars-CoV-2. Alguns exemplos são Srag (síndrome respiratória aguda grave), pneumonia não especificada e insuficiência respiratória.
Inicialmente, a pesquisa analisou 1.365 mortes que entraram nesses parâmetros no período entre fevereiro e junho de 2020 de três capitais brasileiras: Belo Horizonte, Natal e Salvador.
A partir disso, os pesquisadores utilizaram métodos para verificar se os óbitos tinham sido causados pela Covid. Eles investigaram o quadro clínico e o exame para a doença.
Para este caso, foram comparadas informações dos pacientes com resultados de exames para identificar se a pessoa teve a infecção.
“Às vezes acontece de o médico pedir o exame laboratorial, mas o paciente evolui para o óbito antes do resultado. Então a Covid não é incluída nas causas”, explica França.
De forma semelhante, os pesquisadores compararam os dados desses pacientes com as informações do Sivep-Gripe, sistema do Ministério da Saúde que monitora os casos de Covid-19.
Se fosse observado que a pessoa constava nesse banco de dados ou se tivesse exame laboratorial positivo, juntamente com um histórico clínico comum à Covid, os pesquisadores consideraram a morte como sendo causada pela doença. Esses casos foram chamados de definitivos.
Houve ainda situações de pacientes que não tinham registros positivos para a Covid, mas apresentaram um quadro clínico parecido. Nessas circunstâncias, médicos analisaram detalhadamente o prontuário e exames, como os de raio X do pulmão. Assim puderam indicar outros pacientes que teriam a Covid como causa básica da morte —esse grupo foi classificado de provável.
Outros óbitos não tinham imagens do pulmão e também não contavam com exame positivo, mas o quadro clínico e a evolução da doença eram muito semelhantes aos da infecção. Sendo assim, alguns desses também tiveram a Covid-19 considerada como causa básica segundo a análise feita pelos especialistas do estudo —eles foram chamados de casos possíveis.
Com essa metodologia, os pesquisadores verificaram que, dos 1.365 óbitos investigados nos municípios, 319 teriam sido causados por Covid.
Para fazer a estimativa nacional, os cientistas observaram que as mortes por causas relacionadas a Covid tinham sido maiores em 2020 em relação à média de 2017 a 2019, principalmente em maio, que foi quando houve um pico de mortes por Covid.
Segundo França, isso foi um indicativo de que esse excedente de óbitos poderia ser de casos de Covid não notificados. As métricas encontradas no estudo das três capitais foram então aplicadas aos números de óbitos atribuídos a essas outras causas.
“Considerando que esses municípios poderiam representar o que estava acontecendo no país como um todo, nós avaliamos para cada estado do Brasil essas causas de morte e a proporção que encontramos nas cidades”, explica a professora.
PROBLEMA GLOBAL
A OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou nesta quarta-feira que a pandemia provocou entre 13,3 e 16,6 milhões de mortes desde janeiro de 2020 em dezembro de 2021, número muito superior aos 5,4 milhões registrados oficialmente pelos países.
Para França, mudanças nos sistemas de saúde e o treinamento de médicos para esse tipo de registro podem minimizar, no futuro, o problema da subnotificação.
“Muitas vezes os médicos colocam muitas causas, mas não apontam a causa básica. Então, não tem como saber o que causou os eventos que levam a pessoa à morte”, exemplifica.
Ela lembra que saber com precisão a razão das mortes ajuda na formulação de políticas de saúde públicas mais eficazes. “Os dados corretos de mortalidade são importantes do ponto de vista de avaliar a gravidade da pandemia”, conclui.
Fonte: Bahia Noticias