A pressão sobre a equipe econômica para obter resultados positivos e evitar um bloqueio significativo de recursos no Orçamento de 2024 potencializou atritos e críticas trocadas nos bastidores entre os ministérios da Fazenda e do Planejamento.
Segundo relatos colhidos pela reportagem, a pasta comandada por Simone Tebet entrou na mira de outros membros do governo diante da visão de que a agenda de avaliação e revisão de gastos, principal bandeira da ministra, ainda não decolou.
Por outro lado, a atuação independente da equipe de Haddad em questões que envolvem o Orçamento, sob gestão direta de Tebet, também gera críticas e reclamações.
Procurado, o ministério da Fazenda não respondeu. O Planejamento não quis comentar. A revogação da MP (medida provisória) da reoneração da folha de pagamento das empresas foi o foco mais recente de desencontros.
A Fazenda estava sob pressão da cúpula do Congresso Nacional para reverter a medida o quanto antes, mas o Planejamento tinha a visão de que não poderia haver vácuo na estratégia de flexibilização, sob pena de ampliar o risco de contingenciamento de recursos —medida indesejada pela ala política do governo.
Sem o trecho da MP, o Executivo teria de incorporar uma perda bilionária na arrecadação. Por isso, a equipe de Tebet defendia a revogação só depois do relatório de reavaliação de receitas e despesas que será divulgado em 22 de março, mas acabou ficando escanteada nas discussões. A nova MP foi publicada na última quarta-feira (28).
O episódio é o mais recente de uma lista de atritos que, no dia a dia, ficam encobertos sob o verniz dos afagos públicos entre Haddad e Tebet.
Potenciais presidenciáveis em 2026, ambos buscam demonstrar alinhamento. Em julho do ano passado, por exemplo, o ministro da Fazenda disse que cabia fazer um “elogio sincero” a Tebet pela sua abertura e disposição nas discussões.
A ministra do Planejamento, por sua vez, já declarou que não se importa em ser a “segunda voz” da dupla econômica e costuma demonstrar apoio às medidas prioritárias da Fazenda.
Interlocutores de Haddad, porém, reconhecem em algumas falas do ministro uma cobrança sutil por maior tração na agenda de avaliação e revisão de gastos, tocada pelo Planejamento.
No começo da gestão, foi o titular da Fazenda quem, em entrevista à Folha, puxou o debate da revisão de despesas obrigatórias, incluindo os percentuais mínimos de aplicação de recursos em saúde e educação. Aos poucos, ele adotou o discurso de que essa é uma agenda capitaneada pelo time de Tebet.
A cobrança vista como sutil na Fazenda, porém, incomodou o Planejamento, que a interpretou como uma tentativa de simplesmente passar o bastão num debate que, na visão de auxiliares de Tebet, só avançará com o engajamento de Haddad. A pauta é politicamente sensível e deve enfrentar resistências inclusive do PT.
A revisão de gastos é vista por técnicos como ponto central para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal no médio prazo, uma vez que o crescimento das despesas obrigatórias tende a achatar investimentos, considerados prioritários pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Também se trata de uma cobrança do mercado após a Fazenda concentrar o ajuste fiscal na elevação de receitas.
Se na Fazenda a crítica é que a área orçamentária do Planejamento já poderia estar entregando mais na melhoria da gestão das despesas após um ano de governo, na equipe de Tebet o incômodo é crescente com a postura de Haddad e seus auxiliares de, quando confrontados, transferir a responsabilidade de falar sobre assuntos espinhosos para a pasta comandada pela ministra.
Além da mudança nos pisos, o time da Fazenda também repassou a bola quando o tema era a criação de um limite à dedução de despesas médicas do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física). Por esses episódios, o Ministério do Planejamento ganhou o apelido irônico de central de atendimento.
Os ruídos entre as duas pastas vêm numa crescente desde o início do governo Lula. Já no começo, a equipe de Tebet ficou alijada das discussões sobre o novo arcabouço fiscal —há relatos de que o primeiro compartilhamento de informações da Fazenda envolveu apenas uma apresentação, semelhante à que foi feita à imprensa no fim de março de 2023.
Depois, o Planejamento divergiu de iniciativas da Fazenda para pagar parte das sentenças judiciais como despesa financeira (pedido feito ao Supremo Tribunal Federal) e limitar o tamanho máximo do contingenciamento no Orçamento de 2024 (emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada pelo Legislativo).
No caso dos precatórios, Tebet se reuniu com o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, sem a presença de Haddad, para propor a alternativa que acabou prevalecendo no julgamento —a de quitar o passivo fora das regras fiscais e manter parte do fluxo até 2026 fora do limite de despesas do novo arcabouço.
A ministra também defendeu, ainda no ano passado, a flexibilização da meta fiscal para um déficit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto), o que incomodou Haddad, principal fiador da meta zero para este ano.
Abaixo dos ministros, as cobranças e os atritos adquirem maior intensidade.
Técnicos da Fazenda manifestam de forma mais aberta a frustração com a baixa tração e demora na implementação da agenda de avaliação e revisão. Na visão deles, a pauta já deveria ter ganhado maior escala, sobretudo diante da existência de um conjunto de estudos e diagnósticos realizados em governos anteriores.
Aliados de Tebet reconhecem o ritmo aquém do desejado e veem o Planejamento com uma atuação excessivamente operacional. Por outro lado, representantes da pasta dizem muitas vezes precisar entrar em campo para “corrigir rota” após alguma medida da Fazenda repercutir mal, como no caso dos precatórios.
Há ainda relatos de disputas veladas entre técnicos de ambos os ministérios, inclusive para ditar o protagonismo de um ou outro nas entrevistas conjuntas.
Conflitos internos também existem nas duas pastas, diante do desconforto com a centralização de decisões em alguns poucos atores e divergências na condução de determinados temas.
O risco de desmobilização também foi um fator que pesou no caso do Planejamento. Após a indicação de Flávio Dino a uma vaga no STF, a notícia de que Tebet era cotada para sucedê-lo no Ministério da Justiça teve um efeito desmotivador na equipe, segundo relatos reservados.
A ministra continuou no cargo e agora busca dar novo impulso à agenda. A pasta quer emplacar, na LDO de 2025, uma lista de políticas que serão alvo de revisão no próximo ano, numa tentativa de dar força institucional à ferramenta.
Para isso, espera ter também o apoio dos demais membros da Junta de Execução Orçamentária —além de Haddad e Tebet, compõem o colegiado os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão).
Sem esse respaldo, aliados da ministra consideram que será ainda mais difícil colocar o assunto na ordem do dia de um governo que em sua visão, apesar de todas as cobranças, não tem a revisão de gastos em seu DNA.
Foto: José Cruz / Agência Brasil