De cada quatro homicídios registrados na Bahia, apenas um é solucionado e se transforma em processo judicial. Os números alarmantes são parte da pesquisa “Onde mora a impunidade”, realizada pelo Instituto Sou da Paz, que revela quantos crimes contra a vida resultaram em denúncia.
Os dados reúnem os homicídios de 2019 e os processos abertos até o fim de 2020 e mostram retrocesso nas investigações em nível nacional. Em todo o Brasil, apenas 37% dos homicídios praticados em 2019 geraram denúncias à Justiça até o final de 2020. No ano anterior, foram 44%, segundo a pesquisa.
Essa é a quinta edição do estudo e revela que o Rio de Janeiro é o estado que menos esclarece homicídios (16%), enquanto Rondônia é o que mais esclarece, com taxa de 90%. Quase 40 mil pessoas são vítimas de homicídios todos os anos no Brasil, 76% mortas por armas de fogo.
Como se não bastasse a baixa resolução dos crimes, Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça de oito estados ainda não conseguem produzir dados necessários para o cálculo do indicador: Alagoas, Amazonas, Goiás, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins.
Ainda assim, a nova edição da pesquisa conseguiu dados completos para a aferição do indicador de 19 estados, três a mais do que a última edição, apontando uma melhoria na qualidade dos dados. Desde 2017, o Sou da Paz tem requisitado aos Ministérios Públicos e aos Tribunais de Justiça das 27 unidades federativas do país informações sobre homicídios dolosos (com a intenção de matar) que geraram ações penais.
Além de Rondônia os estados que mais esclareceram homicídios ocorridos em 2019 foram Mato Grosso do Sul, com 86%, e Santa Catarina, com 78%. Já entre os estados com a menor taxa de esclarecimento de homicídios, o Rio de Janeiro é seguido pelo Amapá, com 19%, Bahia, Pará e Piauí, cada um tendo esclarecido 24% dos homicídios ocorridos em seus territórios em 2019.
Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, o baixo percentual nacional de esclarecimento de homicídios e a enorme variação entre os estados mostra que o Estado brasileiro ainda tem muito a avançar para aumentar a resposta a esses crimes.
“Sabemos que nosso sistema de segurança pública e de justiça criminal ainda foca muitos esforços nos crimes patrimoniais e em outros sem violência, impulsionando prisões provisórias que lotam o já saturado sistema prisional. É preciso dirigir os esforços e os investimentos, sobretudo, para a investigação e esclarecimento dos crimes contra a vida, onde, de fato, mora a impunidade”, diz.
Para Beatriz Graeff, pesquisadora do Instituto Sou da Paz que coordenou o relatório, uma conquista desta nova edição decorre do fato de que nenhuma unidade da federação deixou de enviar uma resposta ao Instituto. “Um avanço importante em relação à primeira edição, de 2017, quando apenas seis estados foram capazes de produzir os dados necessários”, comenta Graeff.
O motivo de alguns estados não entrarem no cálculo foi o envio de dados incompletos – porque não havia data do homicídio ou porque havia um percentual acima de 20% de dados incompletos – que impossibilitaram o cálculo do indicador.
Apagão de informações sobre raça/cor
Chama a atenção que apenas três estados são capazes de informar dados sobre a raça/cor das vítimas no conjunto de homicídios esclarecidos, e ainda assim, com um nível muito baixo de preenchimento do dado. Pela primeira vez foram solicitadas aos estados informações complementares a respeito do sexo, idade e raça/cor das vítimas. Dos 19 estados que enviaram dados completos para o cálculo do indicador de esclarecimento, apenas nove enviaram algum dado sobre o perfil das vítimas.
Observa-se que a proporção de vítimas do sexo masculino é sempre superior à de vítimas do sexo feminino. Contudo, a proporção de vítimas do sexo feminino é significativamente maior no universo de homicídios esclarecidos, quando comparado à proporção na totalidade dos homicídios registrados em cada um dos estados.
O Instituto Sou da Paz atua frente a atores institucionais diversos para a criação de um Indicador nacional de Esclarecimento de Homicídios oficial e realiza desde 2017 a coleta de dados junto aos 26 estados brasileiros e ao Distrito Federal para apoiar o cálculo e a publicação de um indicador nacional de esclarecimento de homicídios. Esses esforços têm se concentrado no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e também no Congresso Nacional, onde há dois projetos de lei (PLs) que tramitam tanto no Senado Federal, quanto na Câmara dos Deputados, com o objetivo de promover a publicação regular de índices de elucidação de crimes, entre eles, o homicídio e o feminicídio.
Fonte:A Tarde