De item considerado desaconselhado para a população em geral à principal barreira de proteção contra o vírus, as máscaras tiveram uma trajetória central no combate à pandemia no Brasil. Entre polêmicas e idas e vindas de regras, a proteção começa agora a ter seu uso desobrigado em várias partes do país, mesmo diante da crítica de especialistas.
Em março de 2020, com a pandemia de Covid recém-declarada, a máscara ainda estava longe dos rostos das pessoas.
Na ocasião, havia uma indicação generalizada de autoridades de saúde de que a proteção facial só deveria ser utilizada por pessoas com sintomas ou que estavam no mesmo ambiente de doentes. Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo de 18 de março de 2020 apontava que o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o então ministro Luiz Henrique Mandetta estavam, em público, com máscara, apesar das indicações contrárias —naquele momento. Também apontava o contato dos dois com uma pessoa recentemente infectada e, consequentemente, a necessidade de que estivessem em isolamento.
Havia uma corrida por máscaras e outros itens, como álcool em gel, no começo da pandemia, mesmo sem orientações oficiais para o uso. Em algumas partes do mundo, houve falta de máscaras para profissionais de saúde. A OMS (Organização Mundial da Saúde) alertou para a escassez de equipamentos de proteção no mundo e, nos EUA, o surgeon general (equivalente ao ministro da Saúde) Jerome M. Adams chegou a pedir ao público que parasse de comprar máscaras.
Mais para o fim daquele mês de março, a situação já tinha começado a virar, e especialistas ao redor do mundo começavam a reavaliar o uso de máscaras pela população geral.
Em entrevista à revista Science na ocasião, George Gao, diretor-geral do Centro para Controle e Prevenção de Doenças da China, disse que o maior erro dos Estados Unidos e da Europa no combate à Covid era que as pessoas não estavam usando máscaras.
Depois, a indicação foi corroborada pelo diretor do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos), Robert Redfield, à rádio NPR (National Public Radio). “É importante porque agora temos indivíduos que podem não ter nenhum sintoma e contribuem para a transmissão.”
No primeiro dia de abril de 2020, a situação, pelo menos no Brasil, já se desenhava para um mundo mais próximo do que conhecemos hoje.
“Wanderson [Oliveira, então secretário de Vigilância do Ministério da Saúde], amanhã de manhã, por favor publique isso na página do Ministério da Saúde, bem grande. Mostra o trabalho científico que já comprova que máscara para vírus de gotícula, máscara de barreira mecânica funciona muito bem. Qualquer pessoa pode fazer sua máscara de pano e utilizar porque vai funcionar e vai estar ajudando o sistema de saúde”, afirmou Mandetta, durante coletiva de imprensa.
Em seguida, o Ministério da Saúde já tinha planos para uma campanha nas redes sociais para estimular a população a fazer suas próprias máscaras de pano.
Mas foi só em maio que a obrigatoriedade das máscaras de fato começou no Brasil. No estado de SP, o uso obrigatório começou em 7 de maio. No estado do RJ, a obrigatoriedade veio só em junho, mas a utilização já era obrigatória por lei no município do Rio desde 23 de abril.
Enquanto os comércios fechavam temporariamente na tentativa de frear a Covid e as pessoas ficavam mais em casa, para se proteger do vírus e tentar “achatar a curva”, indústrias —até mesmo algumas que faziam roupas íntimas— começaram a produzir máscaras de proteção e camelôs e outras pessoas começaram a vender os itens, que se tornaram parte do vestiário básico da população.
A utilização ficou costumeira ao ponto de, em agosto de 2020, nove em cada dez brasileiros afirmarem usar máscaras sempre que estão fora de casa —apesar disso, só metade afirmava ver as outras pessoas usando sempre a proteção—, segundo pesquisa Datafolha, que ouviu 2.065 pessoas de todo o país e tinha margem de erro de dois pontos percentuais.
A popularidade da proteção permaneceu alta e, em setembro de 2021, 91% avaliavam que a máscara deveria ser obrigatória enquanto a pandemia não estivesse totalmente controlada, segundo outra pesquisa Datafolha com 3.667 pessoas e margem de erro de dois pontos percentuais.
Enquanto tudo isso acontecia o conhecimento sobre a transmissão da Covid por aerossóis (gotículas menores que permanecem no ar por mais tempo e alcançam distâncias maiores) evoluiu, o que só aumentou a importância das máscaras para conter a pandemia.
Mesmo com os dados apontando a proteção oferecida pelas máscaras, o presidente Jair Bolsonaro (PL) começou a menosprezar o item —e também vacinas—, além de se recusar a utilizá-las. Bolsonaro chegou até mesmo a abaixar a máscara de uma criança.
Com o passar da pandemia e com a clareza da essencialidade da proteção facial, veio o questionamento se qualquer tipo de máscara teria um efeito protetivo. Logicamente, não. Diferentes materiais de confecção e mais de uma camada ofereciam também diferentes níveis de proteção.
A discussão sobre a capacidade de proteção ganhou ainda mais corpo conforme novas variantes mais transmissíveis surgiam e varriam países —como fez a gama no Brasil, levando, inclusive, ao colapso do sistema de saúde—, especialistas começaram a apontar que, em determinadas situações de maior risco, as PFF2, máscaras com um grau de proteção muito maior, poderiam ser importantes.
A obrigatoriedade ampla no Brasil, inclusive nas ruas e outras áreas abertas, porém, não era necessariamente um padrão pelo mundo. A obrigatoriedade de uso ao ar livre, de forma geral, começou a cair mais recentemente no Brasil —em São Paulo, por exemplo, somente na última semana. Já em outros países, a desobrigação das máscaras ocorreu bem antes, ainda em 2021.
Agora o país vê inúmeras capitais retirando a obrigatoriedade do uso da máscara em locais fechados. A desobrigação, porém, coincide com um aumento de casos em alguns países. Apesar de concordarem em algum grau de flexibilização do item que se tornou essencial na proteção contra a Covid, especialistas se mostram preocupados com a queda das máscaras em locais fechados.
Fonte: Bahia Noticias