Mulheres pobres e negras estão na ponta da superexploração do tráfico de drogas e expostas a uma série de violências, avaliam especialistas ouvidas pela Agência Brasil. Além disso, a repressão à venda dessas substâncias pelas forças de segurança pública acaba atingindo de forma desigual as camadas mais vulneráveis da população.
“Assim como as mulheres negras são a base do mercado formal de trabalho, com os menores salários, com trabalhos informais, na questão da indústria do tráfico internacional, isso não vai ser diferente”, diz a cofundadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, Nathália Oliveira.
A própria aproximação com o comércio ilegal ocorre a partir de condições de vida precárias, destaca a pesquisadora Luana Malheiro, autora do livro Tornar-se Mulher Usuária de Crack.
“A questão do mercado entra no Brasil, no Uruguai e na América Latina inteira capturando essas companheiras que não têm escolaridade, não têm acesso ao mercado formal, e que são chefes de família, estão ali criando os filhos sozinhas. O único trabalho mais acessível para a mulher com um filho é o mercado local de drogas, que está crescendo cada vez mais e sempre tem um espaço”, explica a especialista que faz parte da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA) e da Rede Latino Americana e Caribenha de Mulheres que Usam Drogas.
Ciclo de violências
A participação em uma atividade de risco pode, de acordo com Luana Malheiro, agravar a situação dessas pessoas. “A mulher entrou no mercado de drogas para sustentar a família, passou por uma série de violências e acaba entrando no consumo abusivo de drogas para esquecer ou lidar com essas violências”, exemplifica.
A pesquisadora acompanhou mulheres usuárias de crack em Salvador e consumidoras de pasta base no Uruguai. Ao se aproximar desses cenários, identificou a violência de gênero como elemento constante. “O estupro, a violência sexual, é uma questão que é muito comentada. Tem produzido trauma, tem produzido sofrimento. E o consumo da droga vem como esse caminho de aguentar essas dores, essas memórias, esses traumas que não foram trabalhados. Muitas das mulheres não tinham acesso a serviços de saúde”, detalha sobre algumas das percepções a partir das pesquisas em campo.
Ao procurarem ajuda, essas mulheres também encontram pouco amparo nos serviços públicos, acrescenta Luana. “Poucos serviços de saúde voltados a atenção de pessoas que usam drogas têm espaços específicos para mulheres. E os serviços estão sempre cheios de homens”, diz.
Esses espaços deixam de atender necessidades específicas dessa população, segundo a pesquisadora. “São serviços que não têm salas de lactância [para amamentação], que não estão preparados para receber uma mãe que tem um filho. Acabam produzindo um monte de barreiras de acesso”, afirma.
Negação da maternidade
O consumo de drogas é, inclusive, um argumento usado para afastar as mães dos filhos, como aponta Nathália Oliveira. “Muitas mulheres que são usuárias de crack quando têm seus filhos, no hospital são desencorajadas a seguir com a maternidade. Ou muitas vezes as crianças já vão para um processo de adoção”.
Ela destaca que isso acontece não só com mulheres em grande vulnerabilidade. Segundo ela, em divórcios, alguns parceiros se valem da alegação que a mãe usa drogas em disputas judiciais pela guarda dos filhos.
A pesquisadora do sistema carcerário, Dina Alves, avalia que as punições por tráfico afetam de maneira expandida as famílias e comunidades negras. “A mãe não pode ter contato com seu filho. Então, ele é retirado da sua guarda, levado para alguém da família que possa cuidar. Normalmente, é outra mulher preta – uma avó ou uma tia. Ou quando não tem outra pessoa da família que possa exercer o cuidado, a criança é levada para centros de cuidado ou para adoção”, enumera.
“Uma outra população carcerária que cumpre pena fora do sistema prisional visto como lugar físico. Porque aí se produz uma outra população que é punida, que são as crianças”, ressalta a pesquisadora.
Geração de renda