O Brasil está prestes a definir quais empresas vencerão o leilão do 5G, nova geração de internet móvel, mas cerca de 20% da população está desconectada, segundo pesquisas recentes sobre o tema.
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Apesar do edital estabelecer regras para ampliar a rede, especialistas ouvidas pelo g1 apontam que as exigências podem não garantir o aumento no uso da tecnologia.
Os números de população desconectada variam de acordo com a pesquisa, mas mostram cenários parecidos sobre o uso de internet no Brasil:
- Os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, feita no 4º trimestre de 2019, indicaram que em 17,3% dos domicílios brasileiros não havia uso de internet. Eles foram divulgados em abril de 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
- A edição mais recente da TIC Domicílios, divulgada em agosto de 2021, disse que 19% da população não usava a internet. O levantamento é do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).
A Pnad Contínua de 2019 aponta que os índices de população desconectada são maiores nas regiões Norte e Nordeste. No mapa abaixo, quanto mais escura a cor do estado, maior a parcela de domicílios sem internet.
O Brasil sem acesso à internet
Confira dados de domicílios sem uso de internet em cada estado, segundo Pnad Contínua mais recente, realizada no 4º trimestre de 2019
O principal motivo para não haver internet nos domicílios desconectados é a falta de interesse na tecnologia. Na Pnad Contínua de 2019, esta justificativa é apontada por 32,9% dos domicílios sem o serviço. A segunda causa para a falta de internet é o custo alto, apontado por 26,2% dos domicílios sem conexão.
Falta de interesse e preço alto do serviço são os principais motivos para falta de internet em domicílios brasileiros — Foto: Elcio Horiuchi/Arte g1
Contrapartidas do leilão
As empresas vencedoras das quatro bandas ofertadas no leilão do 5G deverão cumprir contrapartidas, sendo que algumas delas têm o objetivo de ampliar a rede. Confira as principais:
- Instalar antenas 4G ou superior em cidades e trechos de estradas definidos em portaria do Ministério das Comunicações é uma das exigências na faixa de 700 MHz;
- Levar tecnologia 4G ou superior a municípios com menos de 30 mil habitantes e a outras localidades previstas no edital está entre as obrigações para a faixa de 2,3 GHz;
- Levar fibra óptica a cidades sem essa infraestrutura e instalar rede de fibra óptica via fluvial na região amazônica estão entre as exigências da faixa de 3,6 GHz;
- Levar internet móvel às escolas públicas de educação básica por meio de plano a ser desenvolvido pelo Ministério da Educação é uma contrapartida para vencedoras da faixa de 26 GHz.
Uso da internet
Para Marina Pita, coordenadora-executiva do Intervozes, entidade que acompanha o debate sobre a implementação do 5G no Brasil, não há expectativa de redução no preço da internet, obstáculo para uso do serviço.
“Não vejo qualquer indício de que o 5G reduza o preço dos pacotes de internet. A única expectativa é de que seja uma tecnologia inacessível para a maioria da população”, afirma Marina Pita, coordenadora-executiva do Intervozes.
“O que eu vejo são riscos de descontinuidade de tecnologias de entrada, como 3G, e migração para tecnologias superiores, inacessíveis a uma parte da população”.
Segundo Marina, além das discussões sobre cobertura, é preciso existir uma política de redução de preços da internet para os consumidores. Caso contrário, ela entende que a desigualdade no acesso poderá ser acentuada.
“A gente pode ter, apesar de uma expansão da rede, um aumento do abismo em termos de conectividade e de acesso à internet. E justamente em um momento que a internet passa a ser mais essencial para qualquer atividade”, diz Marina.
Provedores regionais
Entre os pontos do edital do 5G que podem ajudar a levar internet para mais pessoas, estão os lotes regionais. Eles são vistos como um meio ampliar a concorrência para além das grandes operadoras e, assim, garantir que mais regiões tenham conexão de qualidade.
As empresas que vencerem os lotes regionais terão que instalar antenas 5G em municípios com menos de 30 mil habitantes até o final de 2029.
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A expectativa é que as operadoras regionais contribuam para levar internet a cidades menores, que nem sempre são tão atrativas para as grandes companhias.
“Os pequenos provedores são muito relevantes nessas áreas de menor disponibilidade de infraestrutura”, aponta Marina. “E garantir espectro para esses agentes significa que eles vão conseguir se manter competitivos”.
Internet nas escolas
Para tentar ampliar o acesso à internet, uma das contrapartidas estabelecidas pela Agênca Nacional de Telecomunicações (Anatel) no edital do 5G obriga parte das vencedoras a levar conexão de qualidade a escolas públicas de educação básica.
A exigência será feita para as empresas que ficarem com a faixa de 26 GHz e deverá envolver um investimento de R$ 7,6 bilhões na realização de um programa que será elaborado pelo Ministério da Educação.
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No entanto, a iniciativa pode não garantir avanços. Paloma Rocillo, vice-diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade de Belo Horizonte (IRIS-BH), lembra que um compromisso parecido já foi firmado pelas operadoras em 2008, no Programa Banda Larga nas Escolas.
“A conexão das escolas é uma das obrigações que, de primeiro momento, parece interessante porque realmente é importante”, diz Paloma. “Porém, a gente esbarra em um problema de falta de fiscalização das obrigações antigas por parte da Anatel”.
A avaliação é que as discussões sobre levar internet à rede de ensino público já deveriam ter sido concluídas.
“A gente tem uma obrigação repetida no edital. Não era nem pra gente estar discutindo essa obrigação de conexões com escolas porque era pra ter sido superada”, aponta.
O Programa Banda Larga nas Escolas foi criado para atender escolas públicas urbanas de nível fundamental e médio. O g1 perguntou ao Ministério da Educação qual a situação do programa, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.
As indefinições também envolvem o plano de conectar a Amazônia. O edital prevê que as vencedoras da faixa de 3,5 GHz deverão instalar rede de fibra óptica, via fluvial na região amazônica.
Essa exigência está prevista no Programa Amazônia Integrada e Sustentável (Pais), mas o objetivo de conectar a região já existe no Programa Amazônia Conectada.
Criado em 2015 como iniciativa dos Ministérios da Defesa, das Comunicações e da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Programa Amazônia Conectada tem o objetivo de ampliar o acesso à internet por meio de 3.000 quilômetros de cabos de fibra óptica a serem instalados nos rios da região.
O g1 perguntou aos ministérios qual a situação do Amazônia Conectada e quais as diferenças para o Pais, mas não teve resposta até a publicação da reportagem.
‘Descoordenação’
Para Paloma, algumas das mudanças que surgem com o edital do 5G são reflexo da ausência de um plano de inclusão digital de longo prazo no Brasil.
“Existe uma descoordenação muito grande das políticas públicas de inclusão digital desde a década de 1990. O 5G é mais uma dessas descoordenações”, afirma.
“A gente está falando de edital de 5G de uma forma completamente isolada. Não tem um diálogo com outras políticas públicas de inclusão digital brasileiras, e menos ainda uma tentativa de estabelecer um plano nacional de inclusão digital”, avalia.
As propostas das operadoras pelas faixas do 5G deverão ser apresentadas em 27 de outubro. O leilão está marcado para 4 de novembro e a expectativa da Anatel é que a licitação movimente R$ 49,7 bilhões.